Nasceu em Portugal, cresceu na Ásia e descobriu, ainda nova, o quanto a espiritualidade era importante na sua vida. Comunicadora nata, estudou Direito e trabalhou como jornalista durante mais de dez anos, mas os dogmas da profissão impediam-na de ter a liberdade que procurava para comunicar aquilo que mais gostava: o mundo do yoga e da meditação. Lançou-se no digital, na ânsia de partilhar as suas vivências, através do Yoga-me, um blog que, mais tarde, resultou num livro – que vai já na segunda edição. Adaptou o propósito da sua comunicação e criou uma nova plataforma digital, uma espécie de journal, na qual descreve o melhor das suas experiências e os seus ensinamentos.
Atualmente, Filipa Veiga dedica a sua vida a transformar a dos outros, em prol de um lifestyle mais saudável e consciente. Diz-nos que Bali é o seu refúgio e o lugar do qual nunca se poderá desligar. É lá que revitaliza as suas energias e onde se preenche de inspiração para poder, depois, passar os melhores ensinamentos a quem, através dela, procura honrar o melhor da vida.
Neste Dia Internacional do Yoga, Filipa Veiga abre-nos o journal da sua vida, num convite à reflexão.
Gostaríamos de começar por conhecer a Filipa. Sei que nasceu em Portugal, mas cresceu na Ásia, entre Macau e Bali. Começo por perguntar-lhe: como é crescer na Ásia?
Foi uma oportunidade maravilhosa que me aconteceu. Era muito pequena quando me mudei para Macau, portanto nem me lembro de Portugal antes disso, e fiquei lá até aos meus 18 anos. Macau deu-me um espírito de viagem, de ir à descoberta, de aceitar e saber valorizar outras culturas que não só a nossa, mas também, ao mesmo tempo, honrar muito a nossa – eu gosto muito de falar das coisas positivas de Portugal, porque adoro o nosso país. Deu-me uma convivência diária com uma parte da vida que aqui na Europa não se sente tanto: a espiritualidade. Às vezes eu não percebo porque é que comecei a praticar tão cedo. Na altura tinha vinte e poucos anos e não havia quase nada em Lisboa, mas meti na cabeça que queria praticar yoga. Hoje, olho para trás e penso: “O que é que me deu na cabeça?” Claro que eu sempre fui uma pessoa muito ativa fisicamente, sempre pratiquei desporto e dança e queria fazer mais do que isso, mas daí a praticar yoga assim tão nova não era muito normal. Eu vim para Portugal estudar Direito – onde eram todos muito “direitinhos” – e eu era um pouco diferente, porque simplesmente tinha outra vivência. A Ásia deu-me isso, porque é tão espiritual e ao crescer a ver os chineses a praticar Tai Chi logo de manhã ou os indianos a fazerem yoga – coisas que em Lisboa não aconteciam tanto – levou-me a experimentar. Sou muito agradecida por ter tido esse lado espiritual assim tão nova.
Tendo crescido em Bali, é quase impossível não se deixar influenciar pela cultura da meditação e do yoga. Concorda? Considera que se tivesse crescido apenas em Portugal, teria descoberto o gosto e o interesse pela prática destas modalidades ou até mesmo para uma vida mais consciente?
Acho que não, sinceramente. Eu não tinha qualquer problema de saúde, nem tinha ninguém na minha família que já praticasse, portanto foi algo que eu decidi sozinha e acho que se deve à espiritualidade que a Ásia me deu. Quando experimentei, na altura da faculdade, não disse a ninguém que praticava yoga, porque se eles já me achavam tão diferente, eu não queria ser ainda mais diferente e, então, não disse a ninguém, nem à minha mãe. Mas, na verdade, foi uma paixão à primeira prática e nunca mais deixei de praticar. Hoje sou muito agradecida por o yoga ter entrado na minha vida.
Podemos considerar que o yoga, ainda que seja uma modalidade cada vez mais praticada em Portugal, tem uma prática regular ainda recente. Concorda?
Sim, o yoga teve um boom. Quando comecei a praticar, quase ninguém praticava. Eu comecei a dar aulas em Portugal, em 2010, embora ainda não fosse essa a minha profissão – era jornalista na SIC – e nunca pensei vir a ser professora de yoga. Mais tarde, fui viver para Bali, com o meu marido e as minhas filhas, e foi uma transformação total. Mais uma vez, a Ásia. A partir daí o yoga passou a fazer parte da minha vida profissional. Hoje em dia, há muitos praticantes em Portugal (e ainda bem) e eu acho que toda a gente deveria experimentar. Eu sinto que as pessoas têm uma ideia sobre o yoga, por aquilo que ouvem dizer e não pela experiência própria e, por isso, é importante alertar as pessoas que o yoga não é uma coisa de se ouvir falar, nem se estuda nos livros. É algo que se sente no corpo e no espírito. Daí ser muito importante termos uma prática que seja para nós, quer seja yoga, meditação ou até passear na praia, mas devemos procurar uma prática que nos permita uma presença no momento e essa prática deve ser regular. Não pode ser algo que se faça num dia e depois nunca mais se volta a fazer. O yoga exige uma disciplina enorme. Podemos até praticar apenas uma vez por semana, mas nesse dia não há nada que nos tire esse momento.
Estudou Direito e trabalhou como jornalista durante mais de uma década. A comunicação sempre foi uma vertente que lhe chamou muito a atenção?
Eu quis ser jornalista porque gostava de contar as histórias das outras pessoas, de comunicar, de escrever – na minha família toda a gente escreve. Quando descobri o yoga passei a escrever sobre as coisas que eu queria, porque o jornalismo acabou por não me interessar tanto e o yoga passou a dar-me mais liberdade para comunicar a informação que eu gosto e que sinto que é a que devo passar às pessoas.
Para a Filipa, o que tem Bali de tão especial? Será sempre um destino impossível de se desligar?
Nunca me vou desligar de Bali. Este ano ainda não consegui lá ir, pelas razões óbvias, mas tinha dois retiros marcados. Normalmente, vou sempre na altura da nossa Páscoa, que é quando acontece o Bali Spirit Festival. Uma vez, uma senhora disse-me que Bali ia ser sempre um “hospital” para mim e que eu teria sempre de lá voltar para recarregar as minhas energias. E é isso mesmo. Eu preciso de Bali para me sentir outra vez alinhada. Preciso de ir aos templos ou às cerimónias e preciso de praticar, para poder encher-me de boas energias e trazê-las para cá.
Podemos considerar que a quarentena terá despertado a atenção de várias pessoas para experimentarem novas formas de se manterem ativas em casa e a prática do yoga foi uma delas. Concorda? De que forma é que a Filipa conseguiu adaptar-se e manter a prática juntos dos seus seguidores?
Concordo totalmente. Depois daquelas primeiras semanas de total stress, com o meu ano todo cancelado, principalmente todos os retiros que teria programado, foi uma altura em que senti que o yoga, de facto, estava a fazer efeito em mim e permitiu-me não entrar em pânico. Claro que houve muito stress, mas senti que as pessoas iriam precisar de mim mais do que nunca. De um dia para o outro, pensei: “Vou entrar no online”. Tive muitas pessoas a procurarem-me, tanto antigos alunos como novos, para terem aulas online, que eu decidi aceitar e estou muito feliz. Foi uma abordagem tão maravilhosa que não a quero deixar.
A Filipa dedica parte da sua vida a inspirar outras pessoas para que consigam transformar a sua vida, em prol de um lifestyle mais saudável e equilibrado. Considera que as pessoas estão cada vez mais predispostas a uma mudança positiva dos seus hábitos?
Sim, acho mesmo. Há muitas pessoas que me contactam porque entendem que o facto de não termos tempo para nós leva-nos a um beco sem saída. É tempo de tomarmos consciência e sabermos tomar conta de nós, para depois também sabermos tratar do planeta em que vivemos. As pessoas estão cada vez mais predispostas a aceitar isso, porque são mais conscientes, olham à sua volta e sentem: “Tenho de fazer algo por mim”. Este momento é propício à mudança e, se for para mudar, é agora, sendo que a mudança começa por ser individual. Por isso, as pessoas têm de saber cuidar de si, descobrir a sua prática (de yoga ou meditação) e comerem bem. No fundo, é sabermos voltar às nossas origens. Entrámos num esquema de sociedade que é totalmente insustentável, não só fisicamente, mas também emocionalmente, e estamos todos num burnout coletivo. Esta pandemia teve uma coisa positiva: as pessoas foram obrigadas a parar e quem já estava com o “pé” do lado de lá, aproveitou a onda e entrou numa mudança de consciência. Mas isto são processos e cada um mudará quando se sentir preparado.
Considera que, atualmente, perante tudo aquilo que temos ao nosso dispor, é fácil adotar uma vida mais saudável?
Eu acho que é possível, para toda a gente, mesmo para quem tem menos recursos, porque o segredo está na simplicidade, não está em tornarmos as coisas mais complicadas. O segredo está em focarmos apenas no que é essencial. Para mim, ir comer uma comida de fast food obriga-me a sair de casa e a gastar dinheiro e eu penso: “O que é que isso me vai dar?” Não me vai dar nada, portanto mais vale ficar em casa, não gastar dinheiro, abrir o frigorífico e comer algo mais saudável. As pessoas têm a ideia de que as comidas orgânicas são mais caras e isso não é verdade. Eu tenho essa alimentação há anos e gasto menos dinheiro do que as pessoas que não praticam este tipo de alimentação. A ideia é consumir apenas o essencial. Eu vou às compras com uma lista feita e compro só o necessário. O mesmo acontece com a roupa: comprar pouco, mas comprar melhor, se calhar. Em vez de comprar 20 peças, porque não comprar apenas uma, que sabemos que vamos tratar com muita estima e que durará mais tempo? No fundo, é ouvirmos o nosso coração, a nossa intuição e dedicarmo-nos ao que nos faz bem.
Vamos falar um pouco dos seus projetos. Há uns anos lançou um blog, o Yoga-me – que deu nome também ao seu primeiro livro, que já vai na segunda edição. Este blog foi a forma que encontrou para aliar tudo aquilo que mais a motiva?
Eu trabalhava na SIC e nessa altura deu-se a febre dos blogs. Tinha vários amigos que me diziam para criar um blog, mas eu já escrevia diariamente, enquanto jornalista, e então não via qualquer necessidade. Só quando fui para Bali é que senti que fazia sentido criar um blog para contar as minhas experiências. E foi aí que lancei o Yoga-me, que depois resultou num livro. Neste momento, já não escrevo tanto para o blog, porque criei um Journal e é lá que faço as minhas partilhas mais profundas, que acompanham também as minhas redes sociais.
O livro é uma extensão daquilo que já viria a explorar e o sucesso fez com que chegasse a uma segunda edição. O que é que podemos encontrar nestas páginas e de que forma olha para este projeto?
Foi uma das coisas mais lindas que já me aconteceu e das quais, ainda hoje, agradeço ao yoga por me ter proporcionado. Porque é isso que o yoga faz: permite-nos descobrir e sermos fortes para fazermos aquilo em que acreditamos. A sociedade existe para nos dizer que há outros melhores do que nós e o yoga diz-nos que nós somos melhores ou que somos bons naquilo que fazemos. Para quem está a começar a prática, irá encontrar nestas páginas as bases de um manual de yoga. É um livro intemporal e eterno.
Para quem nunca experimentou a modalidade (o yoga), de que forma é que a Filipa a descreve?
O yoga é tudo. É a minha forma de vida. É muito mais do que as posturas, é uma filosofia de vida, porque yoga significa união – entre corpo, espírito e o que nos rodeia. Uma vida conectada com o universo é a única vida que faz sentido para mim e torna-a muito mais mágica. A minha vida não é nascer, casar, ter filhos e morrer. É uma passagem, na qual eu estou a aprender alguma coisa para que numa próxima vida – ou o que venha a seguir – seja ainda mais elevado, porque eu estou aqui para evoluir. E foi o yoga que me ensinou isso.
Gostaríamos de conhecer um pouco da rotina da Filipa. Como é que são os seus dias? Pratica todos os dias?
Pratico todos os dias. Para mim, o momento espiritual da minha vida é tão importante como tomar o pequeno-almoço ou almoçar e tenho sempre esse momento de manhã. Acordo muito cedo e medito sempre, antes até de me levantar da cama, porque meditar é limpar a nossa mente, é uma limpeza interior. Tenho sempre o meu registo de não comer muito de manhã, gosto de beber a minha água com limão e curcuma, para fazer uma limpeza interior, e só depois é que vou praticar ou dar as minhas aulas. Não imagino a minha vida de outra maneira e sei que vou praticar até ao fim, com uma prática que vai mudando e que vai acompanhar a minha idade e a evolução da minha consciência. Tenho dias em que estou cheia de energia e pratico de uma forma mais dinâmica e tenho dias que prefiro uma prática mais permanente, porque sou mulher e sinto que o meu ciclo me pede outra coisa. Por isso, vou adaptando. Basta ouvir o nosso corpo.
Curiosamente, o Dia Internacional do Yoga coincide com o solstício de verão. Haverá alguma ligação?
Cá em Portugal, era comum celebrar a chegada do verão com uma prática muito grande – que era uma escola que organizava – e na altura falaram com a Índia e o primeiro-ministro, Narendra Modi, nomeou o Dia Internacional do Yoga, porque era um dia em que já se praticava muito e sempre foi um dia celebrado. Eu penso que tem a ver com o facto de ser um dia de celebração e, por isso, faz todo o sentido, porque o yoga faz-nos celebrar a vida também.
A Filipa é embaixadora do Wanderlust – um dos maiores eventos de yoga e meditação que acontece anualmente em Portugal. O que é que representa para si esta iniciativa?
Para mim, ser embaixadora deste projeto é uma honra, porque o Wanderlust era um festival que eu imaginava ir, há muitos anos, e achava que era a coisa mais linda do mundo. Ser embaixadora é passar de ter o desejo de um dia poder ir e depois conseguir ainda mais do que isso, passei a ser embaixadora e a dar aulas. Mais uma vez, agradeço ao yoga.
Depois de fazer tanta coisa, pergunto: o que é que ainda falta?
Eu sou muito agradecida pela vida que tenho e com tudo o que me aconteceu. Quero continuar a ter saúde, assim como as minhas filhas e a minha família, espero poder continuar a partilhar sabedoria e encontrar pessoas que estejam de facto interessadas em experimentar, porque essa é a minha missão: ensinar. O yoga é algo que eu nunca tinha imaginado e que a vida me ofereceu. Gostaria de continuar a contribuir para que a sociedade eleve a sua consciência de que precisamos de cuidar de nós, para também cuidar do planeta.
Maria Inês Neto
Editora
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