João Rodrigues é nutricionista, licenciado em Ciências da Nutrição e em Bioquímica e ainda professor universitário. Criou uma plataforma digital, intitulada por Mundo da Nutrição, na qual explora aquilo que lhe dá mais prazer: a alimentação e os seus privilégios. Aos poucos, começou a contrapor diferentes alimentos e a explicar, de uma forma clara e simples, quais as mais-valias e defeitos nutricionais de cada um, numa espécie de Duelo de Alimentos – título do seu primeiro livro, publicado no final do ano passado.
João Rodrigues está em entrevista na U-FIT e explica-nos de que forma as nossas escolhas alimentares comprometem o futuro – o nosso e o do planeta.
Gostávamos de começar por conhecer o João. O que é que faz atualmente e em que áreas trabalha?
Uma vez que sou licenciado em Ciências da Nutrição, mas também tenho a licenciatura em Bioquímica, tenho diferentes atividades profissionais. Exerço prática clínica como nutricionista em Viana do Castelo (a minha cidade natal), Ponte de Lima e Caminha. Em paralelo, sou docente do ensino superior na Universidade do Porto, Instituto Politécnico do Porto e Instituto Politécnico de Viana do Castelo. Além disso, tenho um blog chamado Mundo da Nutrição, o que me obriga a estar constantemente a atualizar os meus conhecimentos, a ler coisas novas e a escrever sobre alimentação e nutrição.
Diz ser um apaixonado pelo mundo da alimentação e da nutrição. Sempre foi assim? Quando é que começou a interessar-se mais por esta área ou a prestar mais atenção à sua própria rotina alimentar?
Tenho de admitir que não. Este interesse foi crescendo, devido a vários fatores. Por um lado, uma vez que dou aulas de Bioquímica, nas quais falo sobre o nosso metabolismo, senti necessidade de saber mais sobre alimentação e nutrição. Comecei a perceber que era importante ter uma visão mais aplicada da Bioquímica, para tornar o meu conhecimento mais abrangente e as aulas mais interessantes. Por outro lado, comecei a perceber que, com o passar dos anos, a minha alimentação tinha de mudar, de forma a não só a manter a composição corporal pretendida, mas também no sentido de manter a saúde à medida que ia envelhecendo. Estas foram, basicamente, motivações que despertaram a minha curiosidade sobre a nutrição. No entanto, as minhas filhas foram, sem dúvida, a grande motivação e passei a ter uma noção mais evidente da importância da alimentação para o desenvolvimento e futuro de todos nós, em particular, das crianças.
O que é que lhe interessa mais explorar no mundo da nutrição? Que ajuda procura dar a quem segue o seu trabalho?
Gosto de dar o meu pequeno contributo para desmistificar algumas ideias que ainda permanecem na sociedade. Por exemplo, a ideia de que um nutricionista não serve apenas para prescrever dietas, ainda que essa seja, sem dúvida, uma área de atuação muito importante. Ou então, a noção errada de que para se perder peso é preciso passar fome. Também adoro perceber a relação emocional das pessoas com a alimentação, pois infelizmente ainda estamos muito formatados para avaliar a alimentação apenas na sua dimensão física. Destacaria ainda a importância de fornecer informação às pessoas, numa altura em que a desinformação é tão abundante. Ou seja, procuro ter uma visão de “banda larga” da nutrição e dessa forma espero contribuir para que as pessoas tenham uma relação saudável com a comida.
Enquanto nutricionista, qual é a sua visão face ao conhecimento das pessoas perante a alimentação saudável? Considera que, com tantas hipóteses atualmente, as pessoas já estão mais predispostas a ter um maior cuidado com a alimentação e procuram cada vez manter escolhas mais benéficas?
Claramente! Eu costumo dizer muitas vezes que a nutrição está a viver um período de ouro, pois as pessoas nunca estiveram tão atentas à alimentação, de uma maneira geral. A prova disso mesmo é que os meios digitais estão repletos de informações sobre alimentação. No entanto, esta situação traz consigo uma outra face, mais perigosa. Estou a falar no excesso de desinformação que existe e que, claramente, pode confundir e induzir em erro. Esta situação surge, principalmente, porque há um número enorme de pessoas que, apesar de não terem formação na área da nutrição, decidem falar sobre o assunto. Parece-me fundamental destacar que não é por uma pessoa comer todos os dias que se torna especialista em alimentação. Eu também conduzo o meu carro todos os dias, mas isso não faz de mim um especialista em mecânica. Seja por falta de conhecimento ou pela ânsia de alcançar fama e protagonismo, essas pessoas difundem muitas vezes ideias erradas que podem despertar a curiosidade de quem as ouve ou lê e, de repente, essa mentira pode transformar-se numa “verdade” para muitos.
Qual é, para si, a base para conseguir seguir uma alimentação mais saudável? Que cuidados são necessários ou que particularidades devemos ter em atenção?
Essa é uma pergunta difícil de responder, pois o conceito de saudável depende muito do objetivo da alimentação de cada pessoa. De qualquer forma, há algumas regras que devemos procurar seguir diariamente. Em primeiro lugar, a alimentação deve ser variada. Esta é, talvez, a regra mais importante. Em segundo lugar, todos devemos ter presente a Roda dos Alimentos, no sentido de perceber que não devemos valorizar apenas o que comemos, mas também quanto comemos e que há grupos de alimentos que devem ser consumidos em maior quantidade do que outros. No entanto, a definição do conceito de saúde por parte da Organização Mundial da Saúde é definida como o estado de completo bem-estar físico, mental e social. Desta forma, acredito e defendo que uma alimentação saudável deve também promover a socialização (é muito melhor comer acompanhado do que sozinho) e deve respeitar, dentro do possível, algumas das nossas preferências alimentares, ou seja, deve ser uma fonte de prazer.
Lançou recentemente um livro, intitulado por Duelos dos Alimentos. Pode apresentar-nos este livro? Qual era a sua intenção ou o que é que procurou dar a conhecer através destas páginas?
Duelos de Alimentos é o meu primeiro livro e é sempre com muita emoção que falo sobre o mesmo. Foi um concretizar de um sonho e aproveito para agradeço à minha editora (Marcador) a oportunidade que me foi dada. Este livro surgiu como uma espécie de ramificação do meu blog, Mundo da Nutrição. Um tipo de artigos que eu criei para o meu blog foi, precisamente, sobre os duelos de alimentos, sendo uma forma inovadora de demonstrar que não há alimentos perfeitos e que todos têm mais-valias, mas também limitações nutricionais. Percebi desde cedo que os leitores gostavam deste tipo de artigos, que se identificavam com a ideia e que a mensagem passava da forma que eu pretendia. No fundo, percebi que era um formato que permitia transmitir informação científica de uma forma simples e objetiva. Com isto, surgiu a ideia de utilizar este conceito para criar um livro que, além de demonstrar que todas as escolhas alimentares que fazemos diariamente são importantes, serve também como uma ferramenta de consulta para se ficar a conhecer melhor as propriedades nutricionais dos alimentos que fazem parte da nossa alimentação.
Qual é o objetivo deste “duelo”? Que conceitos são propostos no livro?
Conforme o nome sugere, neste livro eu crio verdadeiros combates nutricionais entre diferentes alimentos. Nesses combates eu escolho dois alimentos e faço uma comparação das suas principais características nutricionais (calorias, macronutrientes, vitaminas e minerais). No final, há um veredito, no qual é escolhido um vencedor. O objetivo não é dizer que um alimento é bom e que outro é mau, mas sim destacar quais são as mais-valias de cada um dos alimentos comparados. O livro está dividido em capítulos nos quais os duelos englobam alimentos de diferentes grupos alimentares (duelos entre frutas, entre legumes, entre peixes, entre carnes, etc.). Há ainda duas secções temáticas (sobre o Natal e sobre os lanches escolares) e no final do livro pode ainda encontrar um conjunto de várias receitas originais, criadas com vários dos vencedores dos duelos apresentados ao longo do livro.
No livro, defende que a alimentação do presente tem um poder influenciador perante o futuro – o nosso e o do planeta. De que forma isto acontece? De que forma a alimentação e a sustentabilidade estão intimamente relacionadas, num processo de causa-efeito?
Esse é um tema particularmente importante. Além de ser crucial para cada pessoa, comer é também um ato de cidadania. Digo isto porque as nossas escolhas alimentares têm sempre um impacto no ambiente que nos rodeia. Há determinados alimentos cuja produção consome mais recursos ecológicos e, consequentemente, o consumo destes deve ser menor do que o de outros que não apresentam uma pegada ecológica tão significativa. Também o privilegiar o consumo, dentro do possível, de alimentos regionais, respeitando a sua sazonalidade, são ideias chave para que o impacto que as nossas escolhas alimentares têm na saúde do planeta seja menor. Por último, destacaria também toda a produção de resíduos não biodegradáveis associados à nossa alimentação, nomeadamente devido ao embalamento dos alimentos, sendo que minimizar o mesmo e promover a reciclagem das embalagens são, na minha opinião, obrigações morais a que todos estamos sujeitos.
Somos o que comemos. Considera que é uma frase que identifica a sua visão/perspetiva?
Acredito mesmo que sim. Mas se calhar colocava a palavra “também” no início da frase, ficando “Também somos o que comemos”. Ou seja, se por um lado há uma parte muito significativa das nossas características que não depende da alimentação, não tenho a menor dúvida que a alimentação tem um impacto enorme no nosso presente e no nosso futuro. Nós somos o somatório de um conjunto enorme de pequenas coisas (características herdadas, acontecimentos, interações com os outros), sendo que, dentro desse conjunto, há um local muito importante para a alimentação. Para o bem ou para o mal, nós escrevemos todos os dias um pouco do nosso futuro com base naquilo que comemos em cada refeição.
Depois deste lançamento, o que é que procura ainda explorar dentro (ou fora) da nutrição?
Tanta coisa… Eu sou um ser irrequieto por natureza e estou sempre a imaginar o que é que posso fazer que ainda não fiz e que me pode tornar melhor profissional e (também) melhor pessoa. Tenho a sorte de ter duas profissões que adoro (nutricionista e professor do ensino superior) e às quais me dedico de corpo e alma. Na área da nutrição quero continuar a fazer crescer o meu blog, de forma a que o mesmo chegue a um número cada vez mais elevado de pessoas e quero continuar a ajudar as pessoas que me procuram em ambiente de consulta, de para que consigam atingir os seus objetivos. Obviamente, que toda a paixão e dedicação que tenho às minhas profissões não se sobrepõe à minha prioridade número um, que é a minha família. Tenho uma mulher fantástica, duas filhas que são tudo para mim, uns pais incríveis, irmãos e sobrinhos que adoro, enfim, tenho uma família que me preenche totalmente e da qual muito me orgulho, pelo que pretendo continuar a usufruir da mesma em cada instante em que estamos juntos!
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