Hugo Araújo é um piloto atípico. Apaixonado pelo mundo virtual do automobilismo, saltou do sofá para as pistas e percebeu que, afinal, tinha nascido para cruzar metas. Atualmente a correr em dois campeonatos nacionais e com um percurso profissional ainda curto, o piloto bracarense detém já três títulos de campeão. Depois de se sagrar campeão do atual Super Seven by Toyo Tires e do Kia Picanto GT Cup, entre 2016 e 2018, o piloto estreou-se, recentemente, no mundo dos ralis e garantiu uma vitória no Rali Castelo Branco, na classe RC5.
“Atualmente, sou quase imbatível na chuva e adoro correr nestas condições adversas”
Hugo Araújo
Fotografias © D.R. e ZoomMotorsport
Quando é que a aventura pelo mundo do automobilismo começa? Quando é que percebeu que queria ser piloto de automóveis? O que motivou esta descoberta?
A aventura começa quando, em 2008, descubro o programa Nissan GTAcademy e no ano seguinte o mesmo vem para Portugal. Comprei o jogo e a consola necessária para o programa e, felizmente, consegui a passagem do mundo virtual (o jogo) para o real, em 2012, depois de regressar do Reino Unido. Faço a minha primeira Rampa da Penha aos comandos de um Mitsubishi Lancer EVO X grupo N da Comval Racing, com as cores do Grupo COPEFI, e conquisto a vitória na categoria e um Top5 à geral!
Percebi que pertencia a este mundo desde cedo. Lembro-me que o sentimento despoletou na minha primeira ida à Rampa da Falperra, com 4 anos. Adorei o cheiro, o barulho, a agitação e a adrenalina. Senti-me em casa. Desde esse dia em diante, sempre disse que era isso que queria fazer na vida. Lembro-me que nas viagens de automóvel com os meus pais tinha dois passatempos: ou ia a conduzir também – tinha uma espécie de volante sempre no carro para poder ir simulando a condução – ou ia a tentar adivinhar o modelo dos automóveis apenas pelos seus faróis.
Considera que foi fácil o começo?
Não foi nada fácil. Honestamente, até já tinha perdido a esperança. Em 2008, descobri o programa Nissan GTAcademy num zapping televisivo. Decidi apostar tudo, pois face aos elevados custos do desporto automóvel esta era a única saída possível. Foram quatro anos de muito treino, muitas horas, muito investimento pessoal e familiar nesta verdadeira epopeia para me tornar um dos melhores jogadores de Gran Turismo 5 do mundo, pois só os melhores teriam a grande oportunidade. No entanto, nunca perdi o foco e foi sempre com os olhos postos na vitória que me dediquei a 200%.
Em 2012, esteve a um passo de assinar contrato com a Nissan e, depois de duas semanas a ser o melhor nos treinos, acabou por não vencer no Autódromo de Silverstone, em Inglaterra. Podemos dizer que esta foi uma derrota importante para dar início à sua carreira?
“Ser um digno vencido da GTAcademy é um passaporte de entrada em qualquer equipa. A vida é mesmo assim, é feita de coisas boas e coisas menos boas. Encerra-se aqui um capítulo, mas estou certo de que outros capítulos se abrirão!” Lembro-me perfeitamente destas minhas palavras à televisão quando, no dia seguinte à grande derrota, ainda estive a dar entrevistas. Se depois de tanto esforço a vitória não tinha chegado ainda, era porque o esforço não tinha sido o suficiente, portanto havia que continuar. É deste momento que surge o meu lema #KeepPushingNeverGiveUp. Portanto, considero que sim, esta derrota ajudou-me a perceber que eu posso cair 22 vezes, mas levantar-me-ei 23!
Olhando para o seu percurso, percebemos que a derrota nunca o desmotiva. Como é que consegue manter sempre a cabeça erguida e o foco no objetivo?
Em primeiro lugar, por ter a perfeita consciência de que sou um privilegiado por ter conseguido tornar um sonho que 99,9% das pessoas consideraria ser inalcançável. Encaro qualquer derrota como uma oportunidade de a tornar numa vitória, qualquer obstáculo um meio de atingir um fim e qualquer adversidade um processo de aprendizagem para ser ainda melhor. Perdi em Silverstone, numa corrida à chuva, onde não estava nada confortável. Atualmente, sou quase imbatível na chuva e adoro correr nestas condições adversas. Em 2016, tive um grande acidente e desde então não risquei mais um autocolante sequer.
Atualmente, participa em dois campeonatos nacionais, simultaneamente com outros projetos. Como é que se consegue conciliar uma agenda profissional tão preenchida?
Quando se faz aquilo que se gosta, tudo se torna mais fácil. O dia é de facto muito pequeno para tanta agitação, mas com algum esforço, planificação e método consigo gerir. Obviamente que a família também é uma componente muito importante e que dá bastante ajuda para que possa estar totalmente focado em determinadas tarefas. Tenho a sorte de ter ao meu lado pessoas e equipas muito competentes, nomeadamente a CRM MOTORSPORT e a BRACARDOX, que fazem com que o meu trabalho fique muito mais facilitado, pois apenas me preocupo em conduzir, todos os outros detalhes estão solucionados.
Qual foi a vitória mais prazerosa, até hoje?
Aquela que ainda está para vir (risos). É difícil enunciar apenas uma como a mais importante sobre tantas outras, porque todas elas tiveram um significado especial na devida altura. Posso enumerar algumas que são mais especiais: Vila Real (2014) é especial por ser a primeira num troféu muito competitivo e numa pista para “homens de barba rija”; Silverstone (2016) pelo simbolismo de regressar à pista onde tudo tinha perdido e onde tudo conquistei; Estoril (2016), onde conquistei o meu primeiro título de campeão, quando chegava atrás nas contas do campeonato; Estoril (2018) quando consigo o terceiro título consecutivo em troféus diferentes e, neste caso, com o pleno de seis vitórias em seis. Mais recentemente, a vitória no Rali Castelo Branco, na classe RC5, naquela que foi a minha primeira incursão nos ralis. Também a vitória na Rampa da Serra da Estrela nos Turismos mostra que temos ainda muito para aprender, muito para conquistar e, se possível, muito para festejar.
Com três títulos de campeão e um palmarés respeitoso, o que é que falta ainda conquistar?
A vitória já na próxima corrida! Corro para dar sempre o máximo e dar o melhor de mim em qualquer ocasião e em que condições forem. Vou para a pista com a responsabilidade de honrar o trabalho de todos os que estão na sombra, mas que são essenciais para fazermos aquilo que gostamos e que, tal como nós, dão sangue, suor e lágrimas por este desporto. Ganhamos juntos e perdemos juntos!
Tal como o Hugo, existem vários “pilotos de consola” que provavelmente nunca ponderaram saltar para uma competição a sério. Qual é o melhor conselho que poderia dar?
O melhor conselho que posso dar, seja no desporto ou na vida, é que nunca devemos desistir dos nossos sonhos. Por mais difícil que pareça, por mais distante que esteja, com trabalho, honestidade, dedicação, método e organização tudo é possível. São essas as premissas pelas quais gostaria de ser lembrado um dia. Falando exclusivamente sobre a passagem do virtual para o real, sugiro que procurem as várias formas de captação de talento que existem hoje em dia e que são muitas mais do que em 2008, quando surge o pioneiro Nissan GTAcademy. Que sejam persistentes, resilientes e focados e que tentem ser os melhores. Vão surgir dificuldades, vão surgir barreiras que nos parecem intransponíveis de tão altas que são, mas são essas mesmas que escondem do outro lado uma vista fantástica e que nos permitirão celebrar fervorosamente a conquista, com o sentimento de dever cumprido.
Maria Inês Neto
Editora
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