Chama-se Pacific Crest Trail, também conhecida como a mítica caminhada de mais de 4.200 quilómetros que atravessa os Estados Unidos de uma ponta à outra: desde a fronteira Sul, com o México, até à fronteira a norte, com o Canadá. Até à data, há um português a completar o icónico percurso e nós quisemos conhecer esta experiência na primeira pessoa.
Natural de Torres Vedras, Fábio Inácio é um sonhador por natureza. Trocou a sua zona de conforto pela vontade de explorar o mundo que lhe era, até então, desconhecido. Foi numa viagem à Indonésia para acompanhar e fotografar uma surf trip de amigos que teve a súbita ideia de aliar as duas coisas que lhe davam mais prazer na vida: conhecer o mundo e fotografar.
Em 2014, aventurou-se numa longa viagem de 20 meses a percorrer 18 países. Das melhores paisagens às memórias inesperadas, Fábio eterizou a experiência no livro Walking Around, o mesmo nome do seu blogue, onde partilha um pouco das suas experiências. É também nesta altura que recebe o convite por parte da agência The Wanderlust para se tornar líder de viagens, uma experiência através da qual acompanha uma série de viagens anuais que podem ser conhecidas na sua plataforma.
A 5 de julho de 2019 o sonho de completar o Pacific Crest Trail deixa de ser adiado e Fábio parte na incrível aventura de atravessar os Estados Unidos, durante 108 dias.
Depois de explorar tantos lugares e cruzar com diferentes culturas, qual foi a melhor lição que o mundo ensinou?
Que somos todos iguais, temos muitas ideias preconcebidas sobre comunidades, religiões, cores de pele, etc., mas a realidade é que não somos nem mais nem menos do que ninguém, somos todos iguais e todos devemos ter os mesmos direitos.
Uma das maiores viagens do Fábio começa em 2014 e termina no final de 2015. Pode resumir-nos um pouco do roteiro? Por quantos países passou e qual foi o que mais o surpreendeu?
Inicialmente, o roteiro estava planeado: Ásia, Oceânia, Estados Unidos e casa. Mas após dois meses deixou de fazer sentido seguir planos. Comecei a viajar diariamente sem pensar no amanhã, se gostava de um lugar ficava, se não gostava ia para outro lado. Não fui para o lado da América e acabei por visitar muito mais da Ásia do que era planeado. Fui a 18 países no total. Estive poucos dias na Turquia, na Estónia, na Polónia, na Inglaterra e em Marrocos e onde estive mais foi na Índia, na Indonésia e na Austrália, quase três meses em cada um deles. Depois era em média um mês em cada um, mas foi por acaso ou por limitação dos vistos.
Nessa viagem, surge a oportunidade de ser líder de viagens, pela The Wanderlust. Era um convite irrecusável? O que é que esta experiência tem proporcionado?
Irrecusável nada é, tudo depende do que nós queremos para a nossa vida. Como queria viajar pelo mundo, fotografar e partilhar experiências, foi um convite na hora certa. Com viajantes tem sido muito bom, poder presenciar as pessoas a descobrirem e a aprenderem diferentes formas de viver. Já fui convidado para ir a casas dos meus viajantes e até para casamentos…são coisas que marcam uma viagem, porque não estão no programa e isso acaba por ser mais puro, mais genuíno.
É nesta altura que surge também o Pacific Crest Trail, a icónica caminhada do México ao Canadá. Surpreendeu a exigência do percurso? Quanto tempo durou a viagem?
Hum, sinceramente não. Acredito que nos anos 90, com material diferente, sem muita informação ou GPS, seria bem mais difícil. Obviamente que não é só chegar e fazer, mas quem vai com um pouco de espírito de sacrifício consegue fazer o trilho. O caminho demorou 108 dias, o que dá uma média de 39,5 km por dia.
Qual foi a parte mais difícil da viagem?
Talvez a parte do sul da Califórnia, porque era uma zona com pouca água, já perto do fim, uma paisagem mais seca e com menos diversidade.
Que peripécias ou histórias curiosas aconteceram pelo caminho? Que memória não esquece?
As peripécias e histórias de uma viagem como esta são infinitas andar: no meio de uma tempestade, não conseguir parar para comer em alguns dos dias (porque não tinha força nas mãos para abrir a mala), nadar em lagos transparentes sem ninguém à volta e, claro, estar ao pé da vida selvagem. Nunca vou esquecer que estive frente a frente com várias espécies de vida selvagem no seu próprio habitat. Os animais selvagens devem estar no lugar deles – a natureza – e nunca em zoos, circos, gaiolas ou aquários. Foi das sensações mais bonitas da minha vida, vê-los a viver.
Houve algum cuidado com a preparação física para este tipo de experiência? Mesmo durante o caminho, tinha alguma estratégia para aguentar melhor o percurso?
A preparação não foi muito grande e eu faço desporto regularmente, como bodyboard, corrida e caminhada. E no caminho vamos ganhando ritmo. A minha estratégia principal foi ter uns sapatos bons, utilizei os Hoka One One Torrent, que não conhecia antes de ir e levei quatro pares, mas devia ter comprado mais um. Outra coisa que fiz em 90% dos dias foi alongar e meditar depois de um longo dia de caminhada.
O que é que levava às costas para todo o lado? Quais são os bens essenciais para uma experiência destas?
Nunca sei muito bem responder a esta pergunta, tudo depende de cada pessoa. Numa viagem backpacker ou de caminhada, as pessoas têm de perceber que tudo o que levarem vai andar às costas delas, ou seja, levar só aquilo que precisam mesmo. Quer vá viajar cinco dias ou um ano levo o mesmo número de roupa. Obviamente, quando vamos acampar temos de levar mais material, com uma tenda, um saco de cama, entre outros bens. Agora, uma coisa que está sempre comigo é a minha máquina fotográfica.
É verdade que meditava diariamente? Considera que pode ser uma boa ajuda para quem se aventura em semelhante experiência?
Sim, sem dúvida! Eu não tenho muita experiência em meditação e yoga, se bem que nos últimos anos comecei a praticar mais e sinto-me cada vez melhor. Cria todo um equilíbrio entre o corpo, a mente e o universo.
Ainda que tenha sido uma viagem solitária, o Fábio foi documentando todo o percurso. É importante esta partilha e a possibilidade de eternizar o momento?
Sim, é muito importante. Primeiro, porque gosto muito de partilhar, da mesma forma que gosto que partilhem comigo. Segundo, porque ia a fotografar e a fotografia faz parte de mim, é também uma das minhas fontes de rendimento e uma das coisas que me dá mais prazer. Eu fui solitário, mas não estive sempre sozinho, andam muitas pessoas por lá.
A máquina fotográfica é, muitas vezes, a melhor companhia. O que é lhe que interessa mais fotografar?
Um bocado de tudo, adoro paisagens, se bem que gosto de ter muitas vezes o elemento humano nela. Dei por mim a ver paisagens lindas e a ficar parado mais do que uma hora a ver se alguém aparecia alguém que eu pudesse fotografar. Também gosto muito de fotografar pessoas no seu dia a dia, é o que tento fazer nas minhas viagens.
Qual foi o momento ou paisagem mais incrível de registar?
Ah!, muito difícil. Tenho fotos com uma tribo na Indonésia que adoro, assim como algumas do rio Ganges, em Varanasi (na Índia), com um povo nómada no norte da Mongólia, no norte de Washington, nas Serras na Califórnia, entre tantas outras.
Uma viagem futura que ainda esteja reservada na bucket list?
Tantas, quero viver mais de África, explorar o médio Oriente que ainda só conheço o Irão e explorar a América Central e do Sul, onde nunca fui. Mas para já não tenho nada pensado.
Maria Inês Neto
Editora
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