Com uma vida marcada na praia, com a prancha debaixo do braço e a correr em direção ao mar, Miguel Blanco soma conquistas nacionais e internacionais que lhe arrecadaram o título de bicampeão nacional de surf – em 2018 e 2019. Também reconhecido como um dos surfistas do momento (português e europeu), Blanco tem vindo a promover uma maior consciencialização para a necessidade emergente da preservação dos oceanos, através de várias iniciativas que visam a adoção de práticas com um menor impacto no meio ambiente, enquanto “embaixador natural do mar”, como carinhosamente se intitula.
Num ano de estreia para a modalidade de surf nos Jogos Olímpicos, a chegada a Tóquio estava praticamente garantida e, ainda que adiada a competição, o surfista português não esconde o orgulho de disputar lado a lado com os melhores do mundo.
Se uma onda nos levasse até ao passado, ao momento em que esta viagem pelo surf começa, estaríamos onde e quando? O surf fez sempre parte da tua vida?
Outono de 2002. A minha história começa aos sete anos de idade quando me mudei de Lisboa para S. Pedro do Estoril, com a minha mãe. Comecei por surfar numa escola de surf local ou com o meu pai aos fins de semana até que, como gostava tanto e me sentia tão bem no mar, por volta dos nove ingressei num grupo de treinos e já surfava alguns dias de semana depois de sair da escola. Passava grande parte dos meus dias nas praias da linha do Estoril e comecei a entrar em competições de surf, com cerca de dez anos. Fui campeão Nacional sub-12 e foi aí que comecei a fazer viagens para alguns destinos de surf pela Europa, Marrocos e até Maldivas. Tive muita sorte, pois durante a minha adolescência esta paixão levou-me a descobrir novos destinos, não somente para concorrer no circuito mundial, mas especialmente para ir atrás das ondas que sempre sonhei surfar.
Quando é que o surf passa a representar um caminho profissional e não apenas um hobby?
Desde muito cedo que percebi que queria estar ligado ao surf para o resto da minha vida. Só pensava em surfar! Profissionalmente, diria que foi aos 16 anos, quando estava no liceu, já recebia um pequeno salário da Quiksilver, que era o meu patrocinador principal na altura. Enquanto os meus colegas escolhiam cursos eu só pensava para onde iria surfar a seguir ou quando seria a próxima viagem. Sempre gostei de tudo o que envolve o surf. Tanto competições, missões para apanhar um swell específico, ondas grandes ou shapes alternativos e, atualmente, com a minha forte vertente ecológica, sinto que há muitos caminhos que posso seguir.
No ano passado, renovas o título de campeão nacional pelo segundo ano consecutivo. Numa altura em que te intitulam como um dos “surfistas do momento, nacional e europeu” que balanço fazes da tua carreira neste momento? Quais eram os principais objetivos para este ano?
Sagrei-me campeão Nacional Open em 2018 e 2019, ganhei algumas etapas do Europeu Júnior e competi em três WCT’s em Peniche, mas o que mais me marcou foi, sem dúvida alguma, ter sido capa da Surfer Magazine (a maior revista no mundo do surf) numa das ondas do dia, durante a épica sessão de Nias, em que foi registado como o maior swell que alguma vez atingiu a Indonésia. O ano de 2020 foi atípico e mesmo tendo objetivos de competição, apostei mais no free surf e na minha vertente ecológica. Sinto que é onde também posso fazer a diferença.
Num ano em que o surf marca a sua estreia nos Jogos Olímpicos, o que é que representa para ti esta oportunidade de competir lado a lado com os melhores surfistas do mundo?
Primeiro ainda tenho de me qualificar (risos). Mas, sim, realmente seria uma oportunidade única poder representar Portugal nos Jogos Olímpicos. Mais em termos de carreira e exposição, porque, para ser honesto, não sei até que ponto é que é positivo para o surf fazer parte dos Jogos Olímpicos. Acredito que seja a evolução como desporto e irá com isso ter mais apoios e oportunidades, mas também tenho receio que se perca um pouco da sua essência.
Viajas muito pelo mundo à procura das melhores ondas, mas também aproveitas para conhecer um pouco da cultura de cada região. Qual foi, até hoje, a melhor surftrip e qual é o destino que ainda não tiveste oportunidade de conhecer, mas gostavas?
Tenho uma grande ligação com a Indonésia. Não só por ter apanhado aquela onda em Nias, em que fiz a capa da Surfer, mas também pela cultura, pelo lifestyle e por ter sido o local onde comecei a consciencializar-me dos problemas atuais com o plástico no oceano. Na minha bucket list, está Fiji. Quero ir com um swell grande. Sou apaixonado por ilhas e pela simplicidade de viver a chamada island life.
A par da prática da modalidade, há outros valores que são também importantes para ti, nomeadamente a preservação dos oceanos. Gostávamos, precisamente, de conhecer o teu ponto de vista face a este problema iminente. Consideras que estamos num bom caminho ou, pelo contrário, a solução está cada vez mais longe?
Acredito que Portugal está no bom caminho em relação a muitos países, mas claro que há muita coisa que podemos melhorar e cabe a cada um de nós ter essa consciência. Apesar do progressivo aumento das fontes renováveis para produção de energia e da crescente informação existente, precisamos de repensar com urgência como usamos e valorizamos a natureza – culturalmente, economicamente e politicamente.
Aliar o surf à sustentabilidade é um foco para os próximos tempos? Que projetos ambientais tens desenvolvido – ou gostarias de desenvolver – que visam a preservação do oceano?
Com certeza! Quero ter uma voz ativa na minha comunidade, não apenas para que tenhamos mais consciência do nosso impacto no ambiente. Nós (surfistas) temos uma responsabilidade acrescida. Acredito que somos quase como embaixadores naturais dos oceanos e por isso temos de ser os primeiros a proteger o mar, as ondas e todo o seu ecossistema. Vivemos no mar, praticamente, e temos de dar algo em retorno ao oceano, que sempre nos proporcionou momentos inesquecíveis. Temos de ter um papel ativo. É fundamental. Em 2020, comecei a organizar alguma recolhas de lixo com o objetivo de deixar as praias mais limpas e aumentar a consciencialização ambiental. Com isto, foram aparecendo novos projetos e iniciativas às quais me fui juntando. Como exemplo, irei desenvolver uma ativação com a associação Oceanos Sem Plásticos, transmitindo a minha mensagem de sensibilização da poluição nos oceanos a alunos de uma escola de surf e juntamente com eles fazer uma limpeza das arribas. Acredito que passar a mensagem aos mais novos é extremamente importante.
Procuras dar voz a esta “luta” e alertar para um problema que, muitas vezes, não está à vista de todos. Que tipo de ações devemos tomar, dentro do possível, para reverter a situação? No teu caso, o que é procuraste mudar na tua vida e na tua rotina diária?
Comecei pela simples ação de recolher e deitar no lixo os pedaços de plástico que encontrava no mar quando ia surfar. Para além de reciclar, quando vou ao supermercado utilizo sempre os meus sacos de pano, evito ao máximo comprar produtos descartáveis ou embalados em plástico e faço um compost em casa, tentando diminuir a minha pegada ecológica. A verdade é que a solução está na diminuição do lixo e não na reciclagem. Praticamente não consumo carne, a minha dieta é maioritariamente vegetariana, consumindo produtos locais ecológicos e biológicos (evito produtos importados e de grandes supermercados, pois são os que menos pensam nestes temas). É também importante pensarmos na vertente dos transportes: tentar encontrar o veículo mais ecológico possível face às necessidades de cada um.
Como “embaixador” dos oceanos e uma vez que tens uma visão mais direta face a esta emergência climática que envolve a poluição das águas, que mensagem de alerta gostarias de passar a quem está a ler esta entrevista?
Todos nós podemos fazer a diferença. Pequenas atitudes juntas podem mudar o mundo e realmente temos de contrariar o fenómeno das alterações climáticas, repensando os nossos consumos diários.
O behind the scenes da vida de Miguel Blanco
Maria Inês Neto
Editora
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