O fitness, o cuidar do corpo e mente, o bem-estar estão na moda – espetacular! E, já agora, cá entre nós, espero que fique na moda por muito tempo porque, na verdade, ser saudável é ter saúde, e ter saúde é conseguir aproveitar melhor a vida, os momentos que ela nos traz, e devolver-lhes um sorriso.
Nesta moda do bem-estar, do corpo definido e perfeito, uma das coisas que mais vou ouvindo e lendo, e em letras bem gordas, é “TREINE COMO UM ATLETA”. Mas eu pergunto: devem as “pessoas” treinar como atletas?
Deixem-me desde já deixar clara a minha posição: a pessoa normal não deve treinar como um atleta. Importante esclarecer também que quando neste artigo eu escrevo “pessoas normais” refiro-me a todas as pessoas que não têm como profissão um desporto de competição/alta competição. Eu sei que os atletas são pessoas – embora muitas vezes com as suas fantásticas performances nos levem a acreditar que a coisa pode não ser bem assim! Mas são atletas, essa é a sua profissão e isto muda muita coisa, como vamos ler à frente.
Mas então porque não devo treinar como um atleta?
Fácil, porque não é atleta. Não me interpretem mal, mas, por acaso “vive do treino”? Pode descansar quando tem de ser? Pode deixar uma reunião a meio só porque é importante comer naquele momento?
Tem alguém a monitorizar todo o seu esforço e qualidade de sono todos os dias? Faz análise à urina todos os dias? Se respondeu “não” a pelo menos uma questão das anteriores, confirma-se, não é atleta! (risos)
Os atletas são máquinas, cada vez mais perfeitas, desenhadas ao pormenor para renderem o máximo possível num determinado momento e contexto – e isto não é uma pessoa normal – aliás, eles não são pessoas normais (mas isso fica para outro artigo quando falarmos de perfis psicológicos no desporto)
A evolução que se tem assistido ao nível das metodologias de treino disponíveis, do conhecimento dos fatores que afetam a recuperação dos atletas, evoluções na área tecnológica, na área medicadesportiva, fisiologia do exercício, metodologias de treino mental… e em todas as dimensões que afetam o rendimento desportivo, tem sido de tal ordem que o ‘atleta’ deixou de ser humano e passou a ser aquela ‘relíquia’ que nos ofereceram numa data especial qualquer, e que todos os dias limpamos e voltamos a colocar no sítio com dez sistemas de alarme ligados para que nada lhe aconteça. Grande
parte das equipas de futebol de Alto Rendimento (atenção, falo de Alto Rendimento e não de Pseudo Alto Rendimento) para 23/25 atletas têm entre 11 a 15 profissionais à sua volta. Para terem uma ideia, nas equipas da NBA (liga norte-americana de basquetebol, o rácio é de um preparador físico por cada três atletas).
Por outro lado, existe uma série de métodos de treino e, se quisermos ir mais longe, até regimes de ação muscular, que são um perigo serem usados pelas “pessoas normais”, em qualquer circunstância.
Simplesmente os seus corpos, e execução técnica, não estão preparados para isso – é uma questão de saúde. Por alguma razão, todos os anos, os melhores treinadores de performance desportiva investem horas e horas de treino no trabalho de pormenores com os seus atletas para estes evitarem lesões e otimizarem as suas performances.
Uma pessoa não deve treinar como um atleta…
…Mas isso não quer dizer que não possa, ou até não deva, usar determinadas ferramentas do treino de performance para o seu benefício.
Por exemplo, existem neste momento várias aplicações que ajudam a avaliar a qualidade do sono – fator fundamental para evitar a fadiga (otimizar a recuperação de um treino para outro) e assim evitar lesões.
Cada vez mais são usadas escalas de perceção de esforço subjetivas com os atletas para, de alguma forma, ajudar o atleta a quantificar o seu “estado de forma/fadiga” aumentando a proximidade do atleta com o processo de treino e otimizando o princípio da auto regulação. Pode, por isso, questionar-se antes do treino e avaliar, numa escala de 1 a 10, quão cansado se sente. Dependendo do valor, pode treinar com mais ou menos intensidade (atenção, não confundir o valor com outro fenómeno também muito conhecido, a “preguicite aguda”).
Procure, sempre que possível, ser acompanhado por um profissional do exercício para que juntos possam orientar melhor o treino às suas necessidades e objetivos. A maior parte das vezes o “caro” fica “barato”.
Terminando (finalmente)
Se treina, ou se está a pensar em treinar, deve, em primeiro lugar e último, treinar tendo sempre presente que tem de chegar aos 80 anos cheio de saúde e capaz de ser independente – algo que nem sempre está presente na mente do atleta (embora felizmente isto também esteja a mudar). Lembre-se que não vive das suas performances físicas, mas sim da sua saúde.
Resumindo, deve dar uso às ferramentas que o Treino de Performance dispõe, usar o conhecimento de um profissional de exercício para otimizar o seu treino e saúde, mas não treinar como um atleta, a não ser que seja atleta!
Bons treinos!